Por Welter Benicio
Imagem: Getty Images
Sou mentor de um jovem e talentoso empreendedor. Na semana passada, ele me perguntou – Quais livros sobre liderança você recomenda? Ao invés de lhe dar uma lista, contei-lhe a seguinte história:
“…Nos meus 7 anos trabalhando em plataformas de petróleo na costa brasileira tinha boas oportunidades de leitura nas horas vagas, principalmente quando estávamos aguardando melhoras na condição de tempo e mar (o famoso WOW – waiting on weather). Me lembro quando nestas plataformas, há 25 anos, li o livro autobiográfico de Winston Churchill, Memórias da Segunda Guerra Mundial, um calhamaço de mais de mil páginas, que agora me veio à mente após assistir ao filme O Destino de Uma Nação, em cartaz em algumas salas do país. O livro, assim como o filme, possui inúmeras passagens interessantes, mas duas questões marcaram minha leitura: o fato de que a Inglaterra, sob a liderança de Neville Chamberlain, fora complacente com a Alemanha na década de 1930, deixando que ela se armasse além do permitido pelos tratados que se seguiram à primeira grande guerra, e a substituição do Churchill após o fim da guerra, de maneira abrupta, depois de liderar o país num de seus momentos mais difíceis. À época, tive a certeza de que Chamberlain fora um pusilânime, responsável por um desastre, e que a Inglaterra cometera um erro, uma injustiça, ao realizar a mudança do primeiro-ministro. Aos meus 20 e poucos anos de idade, cheio de certezas e arroubos, não compreendia que a adequação de uma liderança exercida por alguém e as ações e decisões que dela decorrem, assumindo que a liderança tenha sido exercida com ética, de maneira não autocrática, dependem do contexto e que uma vez que o contexto se altera drasticamente, esta liderança pode deixar de ser adequada, mesmo se tratando de um líder talentoso.
Passadas mais de duas décadas, compreendo e admiro os ingleses pela mudança, uma mensagem forte de que ninguém, por melhor que seja, é insubstituível. Admiro-os porque quando lideramos líderes, muitas vezes relutamos em fazer mudanças que sabemos serem necessárias, principalmente quando o alvo da mudança é alguém que já teve inúmeros sucessos mas que diante das mudanças no contexto já não representa a melhor escolha para a posição e já não apresenta bons resultados. Admiro-os porque o fato nos lembra de que somos diferentes, com diferentes talentos, experiência, conhecimento e habilidades que geram resultados diferentes em diferentes contextos e que manter alguém numa posição de liderança por motivo outro que não seja a adequação deste indivíduo à tarefa ou desafio pode, isto sim, ser um injustiça ainda maior do que substituí-lo. À título de exemplo, muitas vezes mantemos uma pessoa que brilha quando o desafio principal é estabelecer alianças, relacionamentos, que facilmente se torna um trusted advisor (conselheiro de confiança) junto aos clientes, mas que possui dificuldades em lidar (ou não gosta) com as operações da empresa, numa posição que, naquele momento, requer justamente um turnaround operacional para que os resultados melhorem. A pergunta aqui é: qual são as chances de sucesso desta pessoa e de que ela saia do desafio esgotada e desgastada? Muitas vezes, a substituição do líder inadequado representa a sua demissão, mas dada a sua história de sucesso no passado, o ideal é que se encontre um novo desafio para ela/ele dentro da própria organização, que seja compatível com seus talentos. No caso de Churchill, ele foi crucial para recuperar o orgulho e o otimismo ingleses num momento de crise sem precedentes, mas seus talentos, suas características marcantes e sua maneira de fazer política já não eram adequados ao pós-guerra.
No entanto muitas vezes somos nós o alvo da mudança. Aí sim, a dor é grande! Ocorre que não podemos defender uma prática que só não se aplica a nós e quando (e se) viermos a ser substituídos por inadequação, o melhor a fazer é gastar o tempo que for necessário para avaliar a experiência e, de uma maneira honesta e corajosa nos descobrirmos, nossos talentos, nossas habilidades e para que tipo de desafios nosso DNA é mais afeito. Isto tudo, sem culpas e vitimização. É importante também que não se espere que o pior aconteça conosco para entender, de uma vez por todas, que quando substituímos alguém menos feliz, devemos nos resguardar de comentários maldosos e maliciosos sobre o antecessor e sua performance, pois isto não nos ajudará a destacar e abrilhantar o nosso termo. Esta compreensão decorre do fato de que, assumindo que a gestão anterior foi ética e participativa, as decisões que foram tomadas e as ações adotadas decorreram da combinação do contexto com as habilidades das pessoas envolvidas. No caso inglês, a liderança de Chamberlain foi exercida num momento bem diferente do de Churchill, pois ainda havia em todos a sensação de que a reparação imposta à Alemanha, após a 1a. guerra, havia sido excessiva, o que tornou a todos mais indulgentes com sua corrida armamentista. É difícil ter insights deste tipo quando se é jovem e se lê o livro, mas a experiência de hoje nos permite uma empatia enorme com Chamberlain no filme, quando o mesmo está sendo acusado no parlamento de causar o maior desastre já visto pela nação. A cena causa uma profunda consternação.”
Voltando à pergunta do começo, com minha resposta quis dizer a ele que lições de liderança são encontradas no cotidiano, nas pessoas simples, na família, nos romances, nos filmes, nas autobiografias e não somente nos livros que prometem nos tornar líderes em 5 lições, ou que destacam os requisitos do líder moderno. Para aprendermos, basta que estejamos atentos, sejamos modestos, curiosos e que tenhamos a sorte e o privilégio de vivenciar múltiplas experiências nesta vida.